sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Bendita seja a rotina

Todos os dias tomo o café da manhã no refeitório juntos com os meus companheiros de trabalho. Ha quase 23 anos cumpro esse ritual gratificante de relacionamento. É nessa hora que contamos casos, anunciamos projetos pessoais e profissionais, partilhamos pão, café e amizade. As notícias que contamos e que ouvimos nesse momento nem sempre são boas. As vezes o café é adoçado com açúcar e em outras vezes fica amargo, difícil de engolir.
A notícia de hoje é dessas que preferíamos não saber. Alguém chega e conta que um casal de amigos acaba de se separar após quase trinta anos de convivência. Justamente aquele casal que exibia publicamente carinhos e cuidados. O casal que justificava o valor do casamento com brilho nos olhos e com um tom suave na voz. O casal com filhos bonitos e saudáveis que testemunhavam a harmonia do lar em que foram criados encaminhando-se na vida com responsabilidade e alegria. Foi difícil hoje digerir o café da manhã.


Pergunto o motivo e o amigo, portador da notícia, responde que culpam a rotina, que segundo eles, desgasta e destrói qualquer relacão. Por toda a manhã refleti sobre isso, sobre a vida e sobre a rotina. Para mim não há nada mais prazeroso do que a rotina. Aquilo que fazemos cotidianamente numa prudente monotonia. Se não nos machuca ou fere, a rotina só nos dignifica, faz crescer e amadurecer como pessoa ou como casal. Bendita seja a rotina.


Pode haver coisa mais emocionante do que a rotina de esperá-lo chegar em casa para jantarmos juntos? Mesmo sabendo que vai chegar reclamando do excesso de trabalho e das luzes da casa acesas sem necessidade. Vai reclamar do filho que deixa as coisas espalhadas pelo chão e do outro que só estuda na véspera das provas. Mesmo assim teimo em repetir, bendita seja a rotina. A rotineira conversa sobre o dia-a-dia dos filhos e da gente, das contas que precisam ser pagas, da casa que precisa ser limpa e dos beijos e abraços que precisam ser trocados cotidianamente por nós.

Bendita seja a rotina do calor do corpo do outro ao lado na cama e da mesmice deliciosa de acordar de manhã sempre acompanhada. Bendita seja a rotina dos telefonemas no meio da tarde para saber se está tudo bem e se virá direto do trabalho para casa, mesmo sabendo de antemão a resposta. A rotina de escutar a chave girando no portão e sentir que está tudo no seu devido lugar e seu filho são e salvo chegou da faculdade, está protegido dentro de casa. A rotina sinceramente não me faz mal e acredito que ela esteja ali para costurar os dias, os meses, os anos, a vida, e a história da gente.

O que me assusta é justamente o contrário, a falta de rotina, a mudança dos costumes e daquilo que foi ao longo da vida planejado por nós. Quando o silêncio tempera as refeições e não a conversa partilhada à mesa. Quando não há o que dizer, nem do que achar graça e as reclamações e os elogios são guardados para um depois que nunca chega aí sim é a hora da preocupação. Quando o fazer cotidiano deu lugar ao desabitual provocando o descontrole da saudável rotina familiar aí sim pode mandar chamar o pastor, o padre, o juiz, o rabino, a Pastoral familiar, ou qualquer um que possa ajudar porque há algo de errado acontecendo.

A notícia ruim sobre o casal de amigos que se separou fez lembrar coisas importantes que precisam ser feitas. Vou ligar agora, no meio da tarde, pra saber se ele está bem. Depois vou pra casa preparar o jantar e esperar por ele, continuando as tarefas rotineiras, com nossos problemas e desafios. Bendita seja a rotina que construímos ao longo de 20 anos de convivência. Amanhã, mais uma vez, partilharei o café com os companheiros e espero notícias melhores assim como pão fresquinho e amizade verdadeira. Bendita seja a rotina.

2 comentários:

Jacinta Dantas disse...

Giovanna,
seu texto, bonito na confissão de acolhida ao cotidiano de cada dia, instiga-me à valorização da simplicidade, do enxergar beleza nas pequenas(que se tornam grandes) ações do viver.

Então reflito:
Hoje sei...
não há como fugir. Com tantas tentativas de mudanças, a repetição da mudança também se torna rotina. O que me cabe é aceitar que assim o é.

Ana, A menina que roubava idéias disse...

Lindo texto, maravilhoso e comovente. Também gosto de rotina, das coisas simples. É ótimo sair da rotina vez ou outra, mas é maravilhoso voltar para ela. beijos, seguindo seu blog também.